terça-feira, 9 de agosto de 2011

Jornal mineiro faz dura crítica ao musical Gaiola das Loucas




A montagem de A gaiola das loucas que foi apresentada no fim de semana no Palácio das Artes é vítima de uma síndrome que acomete obras envolvidas na relação entre teatro falado, cena musical e cinema. Ela ocorre quando as adaptações se mostram mais eficientes que o original. Atualmente, quase ninguém conhece A noiva de Lamermoor (Walter Scott), O rei se diverte (Victor Hugo) ou Pigmalião (George Bernard Shaw), apesar da celebridade de seus autores. No lugar que poderiam ocupar no imaginário contemporâneo, foram substituídas por suas versões em forma de ópera (Lucia de Lamermoor, Rigoletto) ou musical (Minha querida dama, Hello, Dolly). 

Com A gaiola das loucas ocorre o mesmo: a versão em cinema dirigida por Édouard Molinaro e o musical criado por Harvey Fierstein transformaram a peça original de Jean Poiret, que estreou em 1973, na França, num anacronismo. A atualização feita no início do século não solucionou o problema. Ao contrário, a busca por síntese eliminou algumas piadas e tirou elementos de suspense e nonsense, o mesmo ocorrendo com a atual adaptação brasileira.

Muita gente vem acusando Miguel Falabella e sua trupe de viajarem com a versão condensada do musical com que fizeram sucesso recentemente. É acusação injusta. O aproveitamento de cenários, figurinos e elenco em duas montagens não é novidade na economia da indústria de espetáculos. Mas A gaiola das loucas, a comédia que circula por aí, não é o musical que fez sucesso. Não vem sendo divulgado como tal. Se as pessoas acham que estão comprando gato por lebre, é porque andam se informando de menos.

De qualquer maneira, na comparação entre o que foi mostrado aqui e o que já vimos na tela ou no palco, o espetáculo exclusivamente cômico mostra seu anacronismo e sua inferioridade. O que era suficiente em 1973 deixou de sê-lo. O ritmo capenga em diversos momentos, diferentemente do que a montagem cinematográfica é capaz de fazer com os mesmos diálogos. O aspecto espetacular implícito no enredo (tudo o que ocorre dentro do apartamento de Albin e Georges remete, inevitavelmente, à boate que eles têm no andar de baixo) fica pequeno frente à nossa memória do musical. Poiret conseguiu a façanha de montar sua trama em um único cenário de gabinete, a sala do casal. Mas os rumos que o enredo tomou historicamente transformaram essa façanha em camisa de força – foi o que se viu no Palácio das Artes.

E se simplesmente ignorarmos aquela trajetória pelos palcos e na tela e pensar exclusivamente no que vimos no fim de semana? A gaiola das loucas é comédia mediana. Fácil perceber que seu alicerce é a atuação de Falabella. Quando ele está em cena, o ritmo se levanta, quando ele sai, ralenta. A “cor local” dos cacos suja o conjunto, mas funciona para produzir a gargalhada do público – nenhum momento produz tanta reação quanto a hora em que Georges apresenta o Albin travestido como “Dilma”. O cenário se tornou grande demais para o espetáculo apenas falado, o espetáculo é pequeno demais para a dimensão do Palácio das Artes.

O que salva A gaiola das loucas é aquilo que Poiret construiu. Em época de guerra cultural e crescimento da intolerância, como a nossa, a maneira atrevida como o texto fala de homofobia, racismo, sexismo e fundamentalismos religiosos continua poderosa. O texto continua apontando o dedo contra os hipócritas e a política construída por eles. Se o espectador consegue enxergar o que se esconde por trás da comédia de costumes, descobre uma história de amor e paixão. Não fossem homossexuais, Georges, Albin e seu filho Laurent seriam a síntese do que a maioria de nós considera uma família bem-sucedida, marcada pelas diferenças entre eles, mas eficiente em construir algo além das diferenças.

Texto: Marcello Castilho Avellar - EM Cultura

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