Cada vez que sai da coxia e pisa no palco para interpretar Mitzi, o protagonista do musical Priscilla, Rainha do Deserto, um filme se passa na cabeça do ator Luciano Andrey. Tal qual seu personagem, há dez anos, ele chegava a São Paulo em busca de um sonho em cima de um palco.
Luciano se encontrou com o blog em um café do shopping Bourbon, onde atua no espetáculo no Teatro Bradesco. Jeito simples, sorriso cativante no rosto.
Caçula de quatro filhos, nasceu em Diadema, na região paulista do ABC, mas logo a família se transferiu para a pequena Bofete, cidade com menos de 10 mil habitantes a cerca de 200 km de São Paulo.
Passou a infância “andando a cavalo, trabalhando na roça e nadando no rio”. Mais tarde, outra mudança. Dessa vez, para Campinas. Como a mãe batalhava sozinha a criação dos filhos, começou a trabalhar cedo.
Aos 11 anos, vendia iogurte pelas ruas da cidade. Não podia, mas bebia parte da mercadoria, numa travessura infantil em meio a tanta responsabilidade. E não parou por aí. Fez de tudo. Foi estoquista, ajudante de padeiro e até operador de telemarketing.
Aos 15 anos, o tímido Luciano começou a estudar teatro. Foi com a irmã Patrícia, que logo abandonou o curso. Ele, não. Mas foi aos 19 anos que o teatro veio para se instalar de vez na vida dele. Criou um grupo cênico com dois amigos, Luciana Alcaraz e Beto Lázzaro. Passaram a se apresentar em escolas da região.
Com o primeiro dinheiro grande que entrou, compraram um ônibus para a trupe excursionar mundo afora. De brincadeira, chamavam o veículo de Priscilla, tal qual o do filme e o do musical que viria a interpretar no futuro. Mas este futuro ainda estava longe.
Depois de algumas turnês, as escolas nos arredores já tinham visto as montagens da Cia. Brasil. E o dinheiro começou a faltar. Após três anos de glória, foram à falência e o ônibus, comprado por R$ 15 mil, foi vendido por R$ 5 mil para um ferro velho.
A decepção motivou o grande salto. Embarcou em um ônibus rumo a São Paulo com R$ 200 dado pela amiga Ângela Resta. Saiu de casa com a mochila nas costas e a mãe chorando na porta.
Morou com uma tia por dois meses, mas logo teve de procurar seu rumo na Selva de Pedra. Saiu distribuindo currículos por aí. E deu certo. Logo, arrumou lugar em uma peça. De Campinas, a mãe deu o conselho: prestar exame para a EAD, a Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo. Assim, conseguiria a moradia universitária grátis. Passou de primeira.
O mundo acadêmico “abriu a cabeça” de Luciano. A profissão até então realizada instintivamente passou a ter marcos teóricos. Como o estudo demandava tempo, só dava para tirar um trocado como garçom. Passou perrengue, mas não desistiu.
Ao fim do curso, pegou de última hora a personagem Geni, na remontagem da Ópera do Malandro, de Chico Buarque. A força em cena lhe abriu portas. Foi chamado para dar aula de teatro na Casa de Artes OperÁria em troca de aulas de canto, já que até então cantava por instinto.
Lá, ficou sabendo do teste para o grande musical My Fair Lady, de 2007. Entrou para o coro. De repente, estava no grande mundo dos musicais da Broadway. Assustou-se no começo. Tudo era muito diferente. Foi se acostumando aos poucos. Emendou com West Side Story e O Rei e Eu, todos sob comando do diretor Jorge Takla, com quem aprendeu muito.
Aí veio a chance de protagonizar Mambo Italiano, a comédia dramática que mostrava a história de um jovem roteirista que precisava resolver de uma vez por todas o problema social com sua homossexualidade. Logo, se destacou. Foi percebido como ator.
A peça seguia seu caminho quando, em uma brincadeira do destino, soube das audições para o musical Priscilla. Lembrou-se do velho ônibus de Campinas e foi.
Ao saber que havia conquistado o protagonista quase caiu para trás. Mas segurou as pontas. Atualmente, sobe no palco do Teatro Bradesco todo fim de semana para contar a história do drag queen Mitzi, um rapaz cheio de sentimentos confusos, “mas que apenas é um ser humano, como todos nós”.
No final de cada sessão, vê espectadores emocionados. Alguns vêm para agradecê-lo pela experiência. E ele sabe bem da importância deste momento. Afinal, só começou a fazer teatro porque “queria tocar as pessoas”. E sabe que conseguiu: “Quer presente maior para mim depois de dez anos nesta cidade?”.
Fonte: R7
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