Por: Carolina Braga - EM Cultura
Curitiba – Eternizada pelo papel de Dorothy Gale em O mágico de Oz, a atriz Judy Garland teve uma personalidade bastante descolada da imagem da garota do filme infantojuvenil. É justamente a mulher inconstante, viciada e temperamental que ganha a cena no musical Judy Garland – O fim do arco-íris. A montagem, que esteve em cartaz no Festival de Teatro de Curitiba, é mais uma prova de que a dupla carioca Charles Möeller e Cláudio Botelho deu nova cara ao musical nacional. Só a representação do gênero em um evento com o perfil como o de Curitiba já mostra que este tipo de teatro retomou posição destacada na agenda nacional de artes cênicas. Somada a isso, a ovação do público que lotou o Teatro Guaíra ao fim da sessão de estreia é prova de que a variedade faz bem para a arte.
O musical nacional perdeu a pieguice e o mau gosto de outros tempos. A recente passagem de Cláudia Raia e seu Cabaré por Belo Horizonte também deixou essa impressão. Judy Garland – O fim do arco-íris estreou primeiro no West End londrino, onde Charles e Cláudio viram e compraram os direitos para montar a peça no Brasil. Somente este ano o musical chegará ao badalado circuito da Broadway. O texto do inglês Peter Quilter é o primeiro ponto positivo da montagem. Apoiado em passagens reais da vida da estrela, o autor consegue contar a história da decadência da diva sem ser didático.
A empatia como protagonista surge sem drama, melancolia ou tristeza. Quem só a conhecia na pele de Dorothy se surpreende ao descobrir a mulher que eternizou a personagem. Judy Garland não se levava a sério. Ria de si mesma, não tinha papas na língua. É justamente o escracho de Judy Garland que vira ferramenta para o dramaturgo. A decadência é contada pelo viés do humor ácido e da forma irônica como ela mesma olhou para a própria trajetória.
São apenas três personagens. Cláudia Netto está irretocável no papel de Judy. No elenco masculino, Francisco Cuoco, como o amigo fiel e pianista Anthony, e Igor Rickli, como o quinto e último marido, não conseguem atingir a mesma intensidade dramática. Enquanto Cuoco se deixa levar por trejeitos clichês dos homossexuais, Rickli também comete o mesmo erro ao cair no lugar comum do machão. A peça se passa nos seis últimos meses de vida da artista. Na época, enquanto cumpria temporada do show The talk of the town, em uma boate em Londres, vivia numa suíte do Hotel Ritz. Não há efeitos tecnológicas mirabolantes, apenas truques tradicionais dos palcos na transição de um ambiente para o outro.
O espetáculo é apresentado sob duas perspectivas bem distintas: uma essencialmente teatral e outra musical. É como se a plateia pudesse ver Judy a partir de dois pontos de vista. De um lado, a artista maravilhosa e, do outro, a mulher insegura, mas extremamente irônica. Se no interior da suíte ela destila críticas em relação a si mesma e se entope de drogas, na hora do show tenta ser o mais profissional possível. Como não poderia deixar de ser, a trilha sonora se sustenta por standards, apresentados ao vivo. For once in my life, Smile, The man that got away, Just in time, The trolley song, How insensitive e, claro, Somewhere over the rainbow. Aliás, a música mais marcante da carreira dela aparece como pano de fundo em vários momentos do espetáculo.
Para aqueles que ainda torcem o nariz para os musicais, Judy Garland – O fim do arco-íris reforça o convite para abrir o coração. Charles Möeller e Cláudio Botelho descobriram a fórmula do musical nacional. Agora é seguir em frente com novas produções.
“Não venda seu ingresso para cambista. Doe para um estudante de teatro”, gritava Francielli Gomes na porta do Teatro Guaíra. Aluna do terceiro ano de artes cênicas, é assim que todos os anos ela consegue ver boa parte da programação do Festival de Teatro de Curitiba. Mas ela não faz isso sozinha. Francielli é apenas uma integrante do Movimento dos Sem Ingressos (MSI), criado há nove anos paralelamente ao evento. “Surgiu porque fomos liberados das aulas para ver as peças e fazer resenhas. Mas não conseguíamos comprar os ingressos. Aí decidi ir para a porta do Guairão e pedi para um senhor. Para a minha surpresa, ele tirou do bolso um bolo com 14 cortesias. A partir daí tive a ideia”, lembra Débora Cristina dos Santos, a idealizadora do MSI.
Além de marcar presença na entrada de cada sessão, os integrantes do movimento também criaram uma espécie de circulação de ingressos. Todos os dias, entre 10h e 19h30, ficam na porta da sede do festival, seja para receber doações de companhias ou para a distribuição das entradas. Este ano, o MSI já ultrapassou a marca de 900 ingressos coletados. Francielli Gomes observa que são justamente os alunos de artes cênicas que marcam presença nas plateias do Fringe, a mostra paralela. “São muitos espetáculos em pouco tempo. Curitiba não tem como absorver isso tudo”, completa Débora. “É meio corrido. Colocam muita peça em pouco tempo e aí acaba que algumas têm que ser canceladas por falta de público”, comenta Milena Becker, também estudante de produção cênica.
Para quem está acostumado com o fervor causado pelos festivais mineiros, seja cinema, teatro ou dança, a aparente indiferença do público paranaense ao Festival de Teatro de Curitiba chega a ser estranha. “A cidade gosta do festival, tanto é que está tudo lotado. Mas é um pouco diferente do que ocorre em Belo Horizonte. Em Minas, há um pouco mais de orgulho. Curitibano é pouco expansivo”, explica Lúcia Camargo. Curadora do Festival de Curitiba desde 1995, em 2010 integrou a equipe de seleção dos espetáculos que integraram a programação do FIT, em Belo Horizonte. “Aqui é assim: as pessoas vêm, participam, gostam, mas não saem abraçando a gente por causa disso. Nesse ponto, Belo Horizonte é melhor. Vocês adulam a gente”, compara Lúcia.
A repórter viaja a convite do festival
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